a realidade é o que existe

tento sempre acreditar que há ainda esperança.
que não estou sozinha.
que as palavras ditas são verdades e que a minha mais-valia é ser quem sou.
dou por mim a tão bem defender a minha honra e a querer marcar o meu lugar.
sou apenas mais alguem que não querendo perder o que chamou ser a sua identidade, se mantém firme nas suas convicções nadando contra a maré de gente-igual que me quer transformar.

hoje dei mais um passo na minha compreensão de mim.
compreendi vivendo que por mais que sonhemos... a realidade é o que existe e, a realidade, é que o tempo, as oportunidades, nunca voltam, por mais que as vejamos como possiveis.
houve alturas em que pensei em mim como um rochedo e nos outros espelhei as ondas de um mar bravio que entravam pelas pequenas frechas que se iam criando pelos embates com o Mundo.
houve alturas em que me vi pedra pomes, frágil, empoeirada, sem densidade suficiente sequer para boiar...
pinto um quadro de belas cores, onde o verde da esperança escorre, vejo o negro que dele sai e digo que é apenas a ausência de cor mas sei, dentro de mim, que é o que, por vezes, se apodera de mim, da minha força de ser rochedo.
verbalizo sons de força quando em mim ecoa a sombra do desespero.
faço voar pinceis reluzentes mas sei que, nestes momento, paira em mim apenas a realidade.

vejo-me encoberta por um nevoeiro denso e pergunto-me se sei o que fazer.
escondo de todos a resposta óbvia e mascaro o meu medo de não ser nada em gestos largos e comportamentos bizarros que emanam a ideia de que sou grandiosa.
escondo-me de todos. a todos quero fazer passar a ideia de que estou bem.
sempre. essa é a minha essência.
querer a todos fazer crer que é possível não se ser miseravel na minha condição.
a de quem não sabe o que faz, o que diz, não sabe onde vai, não sabe.... não sabe..... nada....
podia ser romântica, podia ser sonhadora.
pois que não sou nada disso.
sou um ser-humano condicionado ao eterno terror que é não saber o que fazer de si, que não escolheu um qualquer caminho e que, por isso, desbrava as dificeis terras onde ninguem quer ir.
Nem eu.
mas, tal como um animal cujo seu grupo abandonou, por ser fraco, diferente, vejo-me a tentar obter sobrevivência nas áridas zonas onde apenas o vento passa.
sinto-o, entre os meus dedos, e faço-me acreditar que não estou sozinha, que tenho em mim algo muito mais importante do que ter caminho.

mas... a realidade é o que existe e, a realidade, é que o caminho bem definido onde vejo outros andarem, rodeado das suas cercas coloridas, apenas tem um sentido, uma direcção e o meu... o meu define-o o vento e eu não consigo segui-lo e por isso, invento dentro de mim uma bússula (avariada) que me está a indicar o norte.
quando ele tambem não existe no meu percurso.
Ando aos círculos, passando sempre no mesmo lugar e vendo no chão os passos de quem passou antes por aqui (eu) mentindo a mim própria que já antes este caminho havia sido desbravado e que eu não estou sozinha.
mas estou.
nem aqueles que pensei darem-me a mão existem mais. são e foram invenções do meu cérebro cansado. alucinações de alguem que se julgou especial, um dia, um momento...
Vivemos e perdemos a nossa noção de sermos especiais porque, aos outros, aos olhos de todos os outros, sabemos que somos julgados pela nossa imagem a qual, dentro de nós, sabemos ser apenas uma mancha que escorreu do quadro que um dia quisemos pintar. diferente de todos os outros. diferentes até de nós mesmos.

25-fevereiro-2010
«O quadro está acabado quando apagou a ideia que o motivou»