repuxos de pura ignorância

Diz-se que se é inteligente.
Diz-se ter-se inteligência.
Diz-se até que é inteligência.
Digo-te que é apenas um meio através do qual se sobrevive...
Às ondas de ideias refrescantes que são prensadas em tornos de marceneiro, até aos pregos com que se penduram os quadros das nossas ideias, a inteligência mais não é que um utensílio atrás do qual se escondem as complicadas dificuldades que nem a nós assumimos.
Sobrevive-se...

Vais-te permitindo encontrar respostas e soluções ditas inteligentes as quais mais não são do que apenas versões do que poderia ser a tua vida se sobre ela menos pensasses e mais realizasses... como os engenheiro e doutores nas suas eternas batalhas sobre quem é mais imprescindível para a execução de tão belo plano-arquitectado... e ainda aqui falta a guerra com o arquitecto!...
enfim... batalhas por entre palavras caras - ditas "léxico" para esses - e por entre ideias-ideais de quem pode sempre falar com conhecimento de causa e nunca erra nem nunca leva ninguém a errar...
outros, ainda mais inteligentes, repletos da mais pura inteligência volátil, gasta e rota, vão desgastando as suas extraordinárias soluções em repuxos de pura ignorância que por eles saem sem sequer se darem conta...
ah! como adoro ser inteligente e poder ter a supremacia de, jocosamente, rir de mim própria e da minha inabalável estupidez!



12-setembro-2013
«A inteligência cria em volta de nós um mar imenso de ondas, de espumas, de destroços, no meio do qual somos depois o náufrago que se revolta, que se debate em vão.»
Florbela Espanca

um barco no céu

No meio da bruma dourada afogada entre os 2 céus, semicerrava-se um barco, abruptamente observado por entre os olhos desgarrados e bravios que se lançavam do alto cume da abismal ribanceira.
Estava apenas a pairar, dançando jocosamente com as ondas que contra ele se formavam e lhes beijavam as fontes, a proa...
Parecia voar entre as nuvens que se espelhavam no infinito, para além do horizonte e dos suores avermelhados de rugidos incessantemente quebrados por brancos napperons de fina renda, tecida pelos magníficos e catadupantes teares do mais fino cristal.
Era o fim de tarde que anunciava já o Outono e o primeiro dos barcos que usualmente nesta altura retomavam a Miri, depois de um Verão em mar de onde, se dizia, capturavam o mais absoluto-ouro.
O som chegava-lhe misturado a humidade da terra e achava até sentir que, impossivelmente, gotículas do mais fino aspersor marítimo lhe tocavam o semblante marmoreado pelo tempo, em frescas carícias de fogosas chuvas.
Sentia-se livre, apesar de se saber preso ao seu próprio papel e que em breve o momento daquela fugaz eloquência e esplendor artístico lhe teria escapado entre a brisa que vinha do pequeno barco ao longe.

Sentava-se na mais extensa pele de terra que ali havia, pés balouçando sobre o infinito que se perpetuava até ao céu onde rochas sensibilizadas pelo ardor da gélida água se imiscuíam.
Havia agora três céus. O dele, o dentro dele e o que embalava o barquinho e feria as rochas.



26-junho-2013
«Contra o céu não valem mãos.»
Luis Vaz de Camões

puras balelas do cérebro que coloco em tudo

e assim por isso os escondi. Fechei, perdi a chave e eis que me dou conta que afinal está tudo escancarado e viam-me nua.
- Mente! Mente!

Engraçado... Minto ao usar a mente e minto quando ela manda "mente! mente!" Ela própria a enganar-se. Dissimulada, atraiçoada por si própria. Sozinha dentro de si.
Somos pelo menos duas. Uma que é muda e outra que é política. Nenhuma delas é boa. A calada sente e esconde, a política verbaliza o que acha que interessa mas, e como todo o belo-do-político só diz trampa.


23-junho-2013
«Somos todos como a lua brilhante, ainda temos o nosso lado mais escuro.»
Khalil Gibran