pena têm as galinhas

era suposto saber-se tanto.
era suposto ter encontrado mais.
era suposto ter-se vivido imenso e ter aprendido muito e ter-se criado, produzido, interpretado e brotado, uma torrente imensa da mais pura sapiência.
mas ela não sabia nada.
não lia, não percebia, não entendia, não ouvia nem sentia nada.
limitava-se a abanar a cabeça em incessantes «sins» mudos como quem concorda com a sua penitência, antes mesmo de saber o seu crime.
e que crime!...
tinha perdido o norte e seguia em direcção ao sul, virando em todas as direitas que encontrava, afastando-se cada vez mais da inocência e desígnios comandados pelas forças da pureza. e tudo apenas porque esta estava contaminada... fugia dela como se disso dependesse a força de todos os Universos e se apenas com isso fosse obtida a vitória precisa de uma batalha dissipada... a pureza estava, definitivamente, contaminada.
sabia lá o que fazia, para onde ia mas, isso era certo, tinha perdido o norte...
olhava-se para ela e, com pena, como aquela que se tem das fotografias de cãezinhos escanzelados e mal tratados ou de crianças famintas e sujas a roer um pedaço de pão duro e velho, lançava-se-lhe um olhar de incongruente amparo. daqueles amparos que não valem nada... como olhar para as fotografias de cãezinhos escanzelados e mal tratados ou de crianças famintas e sujas a roer um pedaço de pão duro e velho... pura realidade.
ela, olhava, sem entender, o porquê de tanta conivência para com uma dor que não era a sua, e rasgava um sorriso mais forte que uma manhã negra de granizo e vento, escondendo por detrás dele a pena que deles sentia. curioso... sentimos todos pena uns dos outros sem que entendamos sequer ou porque a sentimos ou porque a sentimos necessário sentir. talvez porque sentimos pena dos outros para não sentir de nós, apenas porque nos foi ensinado que «pena têm as galinhas»...



22-julho-2014
«Quem não sabe ser feliz em nada pode contribuir para a felicidade.»
André Gide

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