o ar onde niguém anda

o que é que andamos a fazer?
a andar de lado por um caminho de terra batida que não existe mas que fazemos de conta existir?
o que pisamos?
o ar onde ninguém anda ou a separar os mares que nunca foram separados?
fazemos de conta que estamos certos e que sabemos o que fazemos, que somos felizes e caminhamos de mão-dada a cantarolar alegres melodias como se tudo fizesse o mais óbvio sentido ao mesmo tempo em que olhamos amedrontadamente um para o outro e sabemos perfeitamente que não estamos a sair do mesmo sítio ou até, quem sabe, a voltar atrás a um tempo que nem nunca sequer existiu...

ou sou apenas eu a ver isto?
a ver que estou errada, a perseguir-me, a evitar deixar-me ir porque não sei onde vou chegar e por isso continuamente puxo as rédeas dos potros que moram dentro de mim e que continuamente chibato para que nunca pensem que poderão correr livres...

nunca poderás correr livre. nunca serás livre, nunca te poderás deixar andar ao som do vento e ao sabor dos teus delírios porque dessa forma nunca chegarás a lado nenhum.
e queres chegar onde? para onde estás tu a ir que não te traz felicidade? ou traz?? sabes sequer o que andas a fazer??...

enfim... tanta gente perdida e tu sempre a fazeres de conta que sabes quem és, o que és, para onde vais, de onde vens e como aqui chegaste.
e depois tu. tu que puxas as correias com que manejas o meu freio e fazes-te de senhor da minha vida e das minhas vontades.
tu que não sabes onde queres ir.

e eu presa, a correr cheia de grilhão e grilhetas que arrasto com um ar feliz de quem está óptima, enquanto as pernas e pés ensanguentados, presos apenas pelos tendões peroneais, enquanto trauteio uma qualquer canção de tom jocoso e faço o meu melhor sorriso parecendo ao Mundo que estou sempre bem.

e depois tu. tu que puxas as grilhetas e fazes-me ainda mais miserável enquanto sorrio para ti como se me fizesses feliz.
e eu queria que me fizesses feliz. por isso recíprocamente olho nos teus olhos e faço de conta que também te faço feliz.

os dois, de grilhetas, infelizes nos seus mundos felizmente mentirosos onde aos olhos dos outros tudo está perfeito.
onde vamos?
onde me deixei ir eu e porque te deixo arrastar-me e arrastei-te eu para este caminho de terra batida que não existe mas que fazemos de conta existir?
E será que não existe?
E sou apenas a ver a miséria onde não vivo porque tenho medo de viver na realidade sabendo que sou eu que aqui não quero estar.



16-março-2015
«Quando se está preso, o pior é não poder fechar-se a porta.»
Stendhal