ao Neco

Há sempre uma parte de nós que quer desistir.
Há sempre, dentro de nós, uma outra pessoa que não compreende como aguentas e outras tantas, fora de ti, que não vêem a verdadeira força que te faz andar. Menosprezam a tua capacidade de por um pé na frente do outro e arrastares essa tua existência acreditando que persegues uma luz que, racionalizando, não podes nunca ter a certeza de que existe...

Há momentos em que só consigo pensar em desistir e auto-penalizo-me por sequer o pensar.
Sou tão abençoada e no entanto permito-me achar não o ser. Vejo-o como pecado. Um verdadeiro pecado achar que mereço mais do que tenho quando o que me retiram é tão pouco considerando o que outros, tantos, não têem.
Não me sinto humana pois não me consigo rever no comportamento de muitos e considero até por vezes estar errada quando sinto.
Sinto. Às vezes demais (dentro da minha capacidade) e a vontade de verbalizar que ‘desisto’, ‘estou farta’ ‘não aguento mais’ rompe dentro de cada lágrima gorda que não salta porque dentro de mim está sempre presente a condicionante de que o que sofro não é nada, não vale nada quando comparado com o que fazemos sofrer, com o que vemos agonizar e muitas vezes (tantas... demais...) quem padece é apenas esponja da maldade que existe.

É-me totalmente impossivel conceber que o Mundo tenha sido criado para que o Bem e o Mal coexistam sempre em iguais quantidades e, ainda mais impossivel de aceitar que o Mal bafeje quem nada fez para o merecer...
‘Karma...’ a palavra em si doi-me e é-me insuportavel.
Quantos de nós sofremos o mal dos outros quando a esses o mal nada diz?
Porque somos nós que o sofremos? Existe a justiça-Universal?
Existe algum motivo pelo qual alguns sofrem e choram a dor dos outros quando outros, tantos, imensos, nada sentem?
Será possível sentir-se menos?
Sempre pensei que quando crescesse iria formar uma carapaça que me permitisse, tal como os outros, olhar a dor e não a sentir como minha.
Lamento o meu dom que sinto como défice. Porque a mim doi-me.
Há dias em que sinto que a minha capacidade de sofrer o peso dos outros (aqueles que nada fizeram para o merecer) serve apenas para me separar ainda mais dos meus iguais, os humanos.
Momentos, espaços de tempo imensos em que só não me sinto sozinha pois sei que existem outros como eu. Outros que, tal como eu, estão condicionados a viver esta vida, sofrer o deles e dos outros e sofrer ainda mais quando se vêem acomodados à inércia dos outros.
Diz-se que quem parte é feliz.
Quero acreditar. Quero continuar a acreditar. Esforço-me e quero continuar a esforçar-me para que o consiga. Mesmo quando as pedras debaixo dos meus pés descalços e já feridos, escaldam, queimam, incineram a minha alma.
Mesmo quando abandono a minha espécie e deixo de ser humana para ser apenas aquilo que sou. Um ser vivo com o dom de sentir sem filtros, mesmo quando o que sinto é apenas ausência e quando dentro de mim grita apenas ‘desisto’, ‘estou farta’ ‘não aguento mais’.

1-julho-2010
«A ignorância é o abismo da fé, porque a fé é um acto da inteligência»
(Camilo Castelo Branco)

1 comentário:

SuRi disse...

Mais um texto brilhante...

E tenho a dizer-te que tbem acreditei que, quando "crescesse" fosse mais humana, isto é...deixasse de sentir tanto. No entanto, com o tempo apercebo-me, que quanto mais cresci, menos humana me tornei.

E tbem eu espero que, no dia em que partir, encontre felicidade, seja finalmente feliz. Mas até lá... vou continuar a ter dias em que o meu interior grita para que eu desista enquanto que o resto de mim (não sei bem o que sobra..) vai continuar a lutar..pk podemos ser uma minoria mas ainda existimos...e temos que ser mais fortes, para conseguirmos ser ouvidos e dar força aos outros para não desistirem.

Por isso, acredita! Acredita e continua a lutar, pk foste tu que me ensinaste a não desistir!