um barco no céu

No meio da bruma dourada afogada entre os 2 céus, semicerrava-se um barco, abruptamente observado por entre os olhos desgarrados e bravios que se lançavam do alto cume da abismal ribanceira.
Estava apenas a pairar, dançando jocosamente com as ondas que contra ele se formavam e lhes beijavam as fontes, a proa...
Parecia voar entre as nuvens que se espelhavam no infinito, para além do horizonte e dos suores avermelhados de rugidos incessantemente quebrados por brancos napperons de fina renda, tecida pelos magníficos e catadupantes teares do mais fino cristal.
Era o fim de tarde que anunciava já o Outono e o primeiro dos barcos que usualmente nesta altura retomavam a Miri, depois de um Verão em mar de onde, se dizia, capturavam o mais absoluto-ouro.
O som chegava-lhe misturado a humidade da terra e achava até sentir que, impossivelmente, gotículas do mais fino aspersor marítimo lhe tocavam o semblante marmoreado pelo tempo, em frescas carícias de fogosas chuvas.
Sentia-se livre, apesar de se saber preso ao seu próprio papel e que em breve o momento daquela fugaz eloquência e esplendor artístico lhe teria escapado entre a brisa que vinha do pequeno barco ao longe.

Sentava-se na mais extensa pele de terra que ali havia, pés balouçando sobre o infinito que se perpetuava até ao céu onde rochas sensibilizadas pelo ardor da gélida água se imiscuíam.
Havia agora três céus. O dele, o dentro dele e o que embalava o barquinho e feria as rochas.



26-junho-2013
«Contra o céu não valem mãos.»
Luis Vaz de Camões

Sem comentários: