o Tempo em que as coisas ditas são exactamente as sentidas

as coisas são simples, nós é que as complicamos.
o dia começa com o Sol a subir no horizonte (se bem que nem sempre o vemos) e acaba com ele a por-se...
pelo menos aqui...
porque lá longe começa e acaba de maneira totalmente diferente.
tudo depende da maneira como olhas para as coisas...
eu costumo ver tudo distorcido.
deve ser da vista cansada...

Quero esconder-me do Mundo e ter a certeza que ninguem me vê nem eu vejo ninguem.
É engraçado... temos tantas certezas que nunca são.
Somo quem queremos ser achando que o somos e afinal apenas existimos sendo o que os outros nos vêem.
É injusto... por mais que saibamos que não é assim que estamos, o que os outros vêem de nós é sempre aquilo que acabamos por ser.
Há quem se pinte bonito, inteligente, outros que se pintam como fortes e impenetráveis e nós que estamos de fora acreditamos.
Outros mascaram-se de fracos, oprimidos, e nós assim os vemos.
Mas, dentro de cada um deles não há nada.
Como dentro de mim.
Sou cheia de vida, movo-me a velocidades estonteantes e encho os meus pulmões de ar enquanto vou fugindo de tudo porque eu sei que ninguem me vê como sou.
Até eu.

E assim o Sol se ergue por entre as nuvens preguiçosas que se estendem e o Sol se esconde como eu, do Mundo e dos outros que o vêem achando que sabem quem ele é.
Enquanto ele desce e dá lugar à Lua eles devem conversar.
Até eles têm com quem conversar.
Apenas partilhar palavras sem que elas tenham ou ditem qualquer sentido.
Sem que essas palavras sejam medidas.
Nem sentidas...
São só palavras. As coisas medem-se pela reacção que geram e estas palavras apenas geram som.
Um som silencioso com que elas vão sendo gritadas.
Tal como eu que grito dentro de mim, baixinho, para que ninguem me ouça nem pese o que digo.
O que sinto é inatingivel por palavras e só eu, dentro de mim, quando o Sol se põe e a Lua dentro de mim aparece, consigo perceber o que exactamente elas dizem.
Palavras largadas, pesadas, leves que voam que caem que se deitam e se erguem entre várias outras e que amordaçam a minha boca sabendo que não devem ser largadas ao Mundo.
Estão sozinhas, sabes, as palavras.
Estão calmamente sentadas à beira de um precipicio e baloçam as pernas sentido debaixo delas o abismo que é ser.
Olham para baixo e vêem outras que cairam que deixamos cair e que se esqueceram...
Outras ainda pairam à altura dos nossos olhos e, quase acreditamos que ainda as podemos agarrar...
Estico-me... um bocadinho mais... um bocadinho mais...
E elas caem.
Estico-me... falta só um bocadinho....
E eu caio com elas.
Porque as que vi sentadas calmamente à beira da queda eram já elas o próprio salto que devemos dar de umas para as outras sempre com o cuidado de quem passa um rio cheio de animais raivosos, em ânsias de te agarrarem e te levarem com eles abaixo da linha da água onde o silêncio é Rei.
E onde quero ir.
Porque dentro do silêncio as palavras são soltas e o Sol volta a erguer-se devagar com a calma de quem tem o resto do tempo.
Tempo que não existe para ele, apenas para nós.

o Tempo em que as coisas ditas são exactamente as sentidas.

12-Novembro-2008

Sem comentários: