preferia libertar-me...

Faço de conta que sou um Humano e que sinto como tu.
Faço de conta que compreendo tudo e todos e que dentro de mim não fere a lâmina do fraco com a força do fogo do desajustado.
Falo e aconselho como se soubesse o que digo quando o que me resta são apenas perguntas.
Ando com o queixo erguido como se soubesse para onde vou e com o passo decidido de quem não faz ideia do que aqui anda a fazer...
Todos os dias me sinto mais perdida mas ainda assim brinco com esta minha instabilidade fazendo de conta que isto não passa de um jogo de equilíbrio e que esta corda não está a milhares de kilometros de altura, que não existe o mínimo menor perigo.
Vou sugerindo a todos o melhor caminho e falo com a força da certeza na voz quando dentro de mim se ouve «tu não sabes nada»
Queria ter respostas (nem que uma) para as várias questões que finjo responder.

A culpa não é tua.
A minha incapacidade de lidar comigo mesma já estava em mim.
Tento com toda a força faze-la esconder-se e tirar de dentro de mim a chama que me impele a ser.
Tento abanar a cabeça e retirar de dentro de mim a ideia de que estou completamente deslocada.
Faço-me forte, justa e verbalizo o que gostaria que em mim fosse verdade.
Tudo para que não me vejam, nem imaginem... o que é ser dentro de mim.
Mostro caminhos brilhantes, soluções homogéneas, saturadas do eu que invento existir em mim... insaturadas de mim...
É verdade que despertas em mim um sentimento que tenho a todo custo tentado extinguir.
Recordas-me que eu já acreditei que podia ser eu sem deixar de lado a minha sensibilidade.
Transformei-me... tenho vindo a afogar de mim o que sou para poder ser.
e detesto-me por isso.

Porque é que não tive a força necessária para continuar a ser eu?
Porque não segui eu o meu caminho verdadeiro?
Porque me deixei perder?
Porque é que me perdi sem deixar um rasto da minha origem?
Se fosse possivel... voltava atrás.
É claro que digo que «não me arrependo de nada» tambem porque sei que não teria a consciência do meu erro se o não tivesse cometido...

Às vezes o nosso caminho não está assim tão traçado e um menor desvio coloca-nos, para sempre, numa estrada que não deveria ter sido a nossa.
Se o meu cérebro mandava de uma forma, as influências externas atiravam-me para uma auto-estrada de asneiras onde a minha real-estrutura apenas gritava sem que ninguem a ouvisse.
e até hoje... nem ninguem ouviu.

Já não grito.
Já me não doem os músculos retesados de raiva.
Já não sinto...
A não ser por vezes, quando a criança que ainda existe em mim (calada, quieta no seu canto apenas a brincar ao faz-de-conta-que-não-existes) suspira, sozinha, abandonada e triste por não me ter tido como sua companhia.
Sei hoje que foi um erro e receio com todas as minhas moléculas que já vou tarde para a acordar do sono obrigado ao qual ela se rendeu.
Sinto-a índigo em bruma, tapada pelas minhas insensibilidades-fingidas que a já afogaram...
Às vezes... penso até que a matei...

A culpa é tua. Fizeste-me sentir que ainda a tenho em mim e que ela ainda sofre no silêncio escuro da sua solidão.
Prendi-te numa torre, bloqueei o sinal que de ti saía, perdi a chave, depois de a ter escondido...
e agora... sei que estás aí, sinto o teu grito de loucura dentro de mim, sem que te ti saia um som que seja... e receio que seja tarde de mais para te poder ir buscar.
Às vezes anseio que a minha matéria se dissipe... que eu deixe de existir com esta consciência.
Vejo-me muitas vezes a perder o meu eu-existencial e não consigo sentir pena.
Sinto até uma ligeira sensação de alívio... como se isso acontecesse... e me libertasse.
Preciso dessa liberdade para ti.
Preciso que possas ser outra vez livre e expressiva. Mas sinto que para isso apenas uma evaporação de mim seria solução.
Às vezes, sem pedir, peço que me venham buscar...
Que me salvem disto e que de uma vez por todas deitem abaixo a torre onde te prendi e que, comigo desmaterializada, a tua força e saber possam espalhar-se pelo Universo conforme deveria ter sido.
Calo o meu grito, estrangulo o meu pedido de socorro, reprimo-te dentro de mim e mesmo agora, quando és tu que me tentas salvar opto por conter os teus pedidos e suprimir de ti as minhas sensações.

Preferia libertar-me...

10-novembro-2009
«Morrer não é acabar, é a suprema manhã.»