piquenicas?

tenho vontade de me expor.
de sentir livremente que sou diferente e tão igual a tanta gente.
gostava de poder escrever algo que fosse especialmente especial, que mostrasse o que verdadeiramente sinto, que bradasse sentimentos em catadupa e que com isso fosse capaz de descrever o que vai dentro de mim mas não consigo.
saem sempre as mesmas palavras, os mesmos-meus sons parados que nada purgam, as mesmas ideias idiotas de que será possível, de um momento para o outro, ser diferente.
e será que eu quereria mesmo ser diferente? porque quereria eu, efectivamente, ser igual?
não creio que seja mais fácil deixar de ser eu, e mesmo eu, que escolho normalmente o caminho mais desigual, seria eu se o fizesse.
dando largas às marés da minha imaginação, soltando as amarras do meu pensamento apenas consigo viajar dentro de mim e, mesmo sem vento, mesmo sem remos nem motores, mesmo parada dentro de mim, sigo correndo, sempre em fuga do que ainda não fiz.
é para lá que vou.
para aquele sítio que não sei onde é, não é como penso nem será o que algum dia imaginei.
bufo nas minhas velas e o meu barquinho de papel remexe-se em águas cuja turbulência transforma em ondas o azul espelhado do céu.
tenho tentado criar em mim o Porto que queria que existisse na Terra.
tenho aceite que é apenas dentro de ti que podes encontrar repouso. um sítio calmo onde 'piquenicas' contigo próprio e que entre groselha e pequenos pedaços de salgados-deliciosos vais acalmando a fome da tua ansiedade e voltas a estar em ti.
sei que, neste momento, tenho momentos em que quero voltar atrás no tempo.
é a consciência que me permite ver claramente que por entre a tempestade, o ribombar dos trovões só está dentro de mim, apenas enevoa o meu piquenique comigo própria e que depois de amanhã, quando o céu clarear, eu continuarei a ser o mesmo.
não se foge de nós próprios.
apenas podemos prende-lo, amarra-lo, fazê-lo de esquecido, fazer que se esquece mas (e tu sabes, sentes) continuamos sempre lá.
não queria fugir de mim. não queria querer prender, esquecer mas se por um lado não o quero fazer, por outro, às vezes, sinto que preciso de me resguardar.
partilhar, dares-te e perderes é um sentimento sofrido, sôfrego de ti e do que era.
não quero mais isso para mim. não quero sentir que quero voltar atrás. não vivo o passado. vivo e sinto o hoje e é por isso que me sinto longe de mim porque fiquei, amarrada, ao que já não é.

18-agosto-2010
«Nunca nos devemos esquecer que nenhum homem pode fugir de si mesmo.»
Johann Goethe

piano...

Nos últimos tempos tenho vivido intensamente. Sentido com todos os sentidos mais apurados, de volta à essência do sentido.
Falo e abro muito os olhos como se com isso conseguisse ver mais, melhor, do que o que vejo e a dor de apenas ver a realidade aguça a minha inconstância que embrumo por detrás de sorrisos gastos e de palavras sentidas apenas para os outros.
é por isso que me escondo.
deixo o piano tocar baixinho onde só os meus cílios o sentem e esqueço os sons garridos com que costumo enebriar-me, faço por não ouvir as vozes melodiosas e apenas ouço... piano.

o som dos dedos sobre as teclas, aquele som que se percebe entre os sons que as cordas fazem ecoar, aquele que, quem já tocou num piano, sabe qual é. aquele que faz do piano um instrumento agudizante da minha impaciência-de-alma, da minha falta-de-paz-de-espírito.
é aquele som, breve, seco que antecede cada uma das notas em que me revejo.
se eu fosse um piano, eu seria aquele som. que quase ninguem ouve, que não é parte principal da música mas que é, para mim, parte da melodia.

«A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos.»
(Ludwig Beethoven)

ao Neco

Há sempre uma parte de nós que quer desistir.
Há sempre, dentro de nós, uma outra pessoa que não compreende como aguentas e outras tantas, fora de ti, que não vêem a verdadeira força que te faz andar. Menosprezam a tua capacidade de por um pé na frente do outro e arrastares essa tua existência acreditando que persegues uma luz que, racionalizando, não podes nunca ter a certeza de que existe...

Há momentos em que só consigo pensar em desistir e auto-penalizo-me por sequer o pensar.
Sou tão abençoada e no entanto permito-me achar não o ser. Vejo-o como pecado. Um verdadeiro pecado achar que mereço mais do que tenho quando o que me retiram é tão pouco considerando o que outros, tantos, não têem.
Não me sinto humana pois não me consigo rever no comportamento de muitos e considero até por vezes estar errada quando sinto.
Sinto. Às vezes demais (dentro da minha capacidade) e a vontade de verbalizar que ‘desisto’, ‘estou farta’ ‘não aguento mais’ rompe dentro de cada lágrima gorda que não salta porque dentro de mim está sempre presente a condicionante de que o que sofro não é nada, não vale nada quando comparado com o que fazemos sofrer, com o que vemos agonizar e muitas vezes (tantas... demais...) quem padece é apenas esponja da maldade que existe.

É-me totalmente impossivel conceber que o Mundo tenha sido criado para que o Bem e o Mal coexistam sempre em iguais quantidades e, ainda mais impossivel de aceitar que o Mal bafeje quem nada fez para o merecer...
‘Karma...’ a palavra em si doi-me e é-me insuportavel.
Quantos de nós sofremos o mal dos outros quando a esses o mal nada diz?
Porque somos nós que o sofremos? Existe a justiça-Universal?
Existe algum motivo pelo qual alguns sofrem e choram a dor dos outros quando outros, tantos, imensos, nada sentem?
Será possível sentir-se menos?
Sempre pensei que quando crescesse iria formar uma carapaça que me permitisse, tal como os outros, olhar a dor e não a sentir como minha.
Lamento o meu dom que sinto como défice. Porque a mim doi-me.
Há dias em que sinto que a minha capacidade de sofrer o peso dos outros (aqueles que nada fizeram para o merecer) serve apenas para me separar ainda mais dos meus iguais, os humanos.
Momentos, espaços de tempo imensos em que só não me sinto sozinha pois sei que existem outros como eu. Outros que, tal como eu, estão condicionados a viver esta vida, sofrer o deles e dos outros e sofrer ainda mais quando se vêem acomodados à inércia dos outros.
Diz-se que quem parte é feliz.
Quero acreditar. Quero continuar a acreditar. Esforço-me e quero continuar a esforçar-me para que o consiga. Mesmo quando as pedras debaixo dos meus pés descalços e já feridos, escaldam, queimam, incineram a minha alma.
Mesmo quando abandono a minha espécie e deixo de ser humana para ser apenas aquilo que sou. Um ser vivo com o dom de sentir sem filtros, mesmo quando o que sinto é apenas ausência e quando dentro de mim grita apenas ‘desisto’, ‘estou farta’ ‘não aguento mais’.

1-julho-2010
«A ignorância é o abismo da fé, porque a fé é um acto da inteligência»
(Camilo Castelo Branco)

a Música que nos fez dançar

o hoje, o amanhã, o eterno ontem que perdura e que nada muda, tudo gasta.
as memórias empoeiradas que mais parecem ser imaginadas do que fomos.
Nuns binóculos de ver ao perto esqueço a imagem do que tivemos e já nem recordo se o tempo passou ou apenas parou.
Eramos pétalas soltas ao vento que o amor juntou em lindas flores que o calor embalsamou.
Parámos no tempo e não mais sentimos o calor um do outro nem nunca mais nos olhámos como quando eramos pétalas.
transformámo-nos, transformou-nos o tempo em estátuas belas de branco mármore onde nem os pássaros pousam com medo de estragar.
Avariámo-nos em espaços bi-partidos pelo metrónomo que não pára de tic-tactear os nossos corações certo de que o tempo os congelou.
Não foi o frio que o parou, foi o calor das imagens que transpusemos de nós, dos nossos sonhos.
e deixamos acabar a música, continuamos a dançar ao som do silêncio que se interpôs entre nós, que separa os nossos corpos, reune as nossas almas longe de nós e faz com que nos sintamos uno com o Universo sem estarmos em nós.

Tenho medo de dizer o que penso.
Tenho medo de sentir que te perdi e por isso nada verbalizo. Deixo-me continuar a dançar fingindo existir ainda no ar a vibração melódica do nosso Amor.
Tenho medo que te percas de mim se, quando abrires os olhos, tiveres a certeza de que já não há música em nós, que a perdeste, deixaste de a ouvir, tapaste os teus sentidos e fizeste de conta que não vias.
Tenho medo que não lutes, que finjas que não resentes o ar frio que pesa em nós, que digas que o abraço que nos une é apenas ausência de espaço...
e por isso fico calada, abanando o meu cansado corpo ao som da inexistência de vibração imitando uma melodia que há muito deixou de tocar fora de nós e que, na nossa intensa vontade de sermos felizes deixamos calar, deixando no ar a ideia de que nada nunca a faria deixar de soar dentro de nós.
Ouve-la?
Ainda a ouves?
Sente-la?
Ainda a sentes?
receio a tua resposta. sei que vais tentar ouvi-la e, tenho medo, muito medo, porque sei que dentro de ti não mais toca a mesma sinfonia, sei que fora de nós há Musica mas que essa, aquela que nos fez dançar não mais te faz vibrar.

31-maio-2010
«A Música começa onde acaba a fala»
(Ernst T. A. Hoffmann)
what did you expect to find?
tentas encontrar resposta...

everything will be allright.
acreditas?
ainda acreditas?

o início da Era dos Tempos Universais

um dia acordei e tudo era perfeito.
os Humanos tinham finalmente acordado e sentiam-se realizados apenas pela sua condição de Ser.
deixaram de maltratar-se a si próprios e deixaram de viver as vidas miseráveis com que minavam os seus cérebros.
compreenderam que o importante não é a busca pela felicidade mas sim a aceitação de que esta é tão fácil e serena como a brisa que vem do mar e traz aquele sentido de sal.
aceitaram que são apenas seres vivos como os outros e que a Mãe Terra desde os primórdios dos tempos os acaricia e embala como uma verdadeira progenitora.
dão as mãos em uníssono enquanto emitem aos céus a energia do amor incondicional a qual brilha em tons de arco-íris e se espalha por todo o Universo.

esse foi o dia mais feliz da minha vida.

o dia em que no ar havia cheiro de paz e que ao de leve tocava em mim a imensa constância de ser.
ouvia no mar um fresco odor a flores e dos campos verdejantes serpenteava a cor do céu.
tudo era perfeito, tudo era sentido e entre mim riscavam na atmosfera lindas borboletas de suave seda-cetim, veludos com organdis floridos, sons de paixão emitidos pelas árvores que esbracejavam felizes por presenciarem este dia que nunca imaginei viver tambem.

esse foi o dia mais feliz da minha vida.

sentiam-se em todo o lado canções de esperança e amor, gritos de paz e felicidade, orgasmos explosivos de suprema realização enquanto pelas ruas se exaltava a nobreza de ser uno com o Universo.
Olhavam-me nos olhos e falavam em silêncios sorridentes de quem não precisa de palavras para demonstrar afecto.
Finalmente compreenderam que o próximo passo é tão simples como dar a mão.

Deram-me a pata, vi um cão. Que feliz ele estava pelos seus semelhantes, nós, que tal como ele somos parte do ser-Universal que de todos emana e em todos se absorve.
'é importante estarmos unidos', diz-me.
e compreendo-o. Ouço-o e a sua voz é me mais empatica do que qualquer outra que tinha ouvido até aí. e ele compreende, melhor do que alguém algum dia me compreendeu, que no silêncio comprometido da minha voz trémula pela emoção, o meu coração salta dentro do meu peito como se este fosse o eterno amanhã que aguardava entre um misto de esperança e desespero, certeza de que aconteceria e o medo de nunca o ver...

esse foi o dia mais feliz da minha vida.
o dia em que acreditei que tinha acontecido aquilo que sempre peço ao Universo.
o Fim da hegemonia Humana e o início da Era dos Tempos Universais.

27-abril-2010
«A verdade é aquilo que leva ao fim»
(Kaleb Vjekoslav)

a realidade é o que existe

tento sempre acreditar que há ainda esperança.
que não estou sozinha.
que as palavras ditas são verdades e que a minha mais-valia é ser quem sou.
dou por mim a tão bem defender a minha honra e a querer marcar o meu lugar.
sou apenas mais alguem que não querendo perder o que chamou ser a sua identidade, se mantém firme nas suas convicções nadando contra a maré de gente-igual que me quer transformar.

hoje dei mais um passo na minha compreensão de mim.
compreendi vivendo que por mais que sonhemos... a realidade é o que existe e, a realidade, é que o tempo, as oportunidades, nunca voltam, por mais que as vejamos como possiveis.
houve alturas em que pensei em mim como um rochedo e nos outros espelhei as ondas de um mar bravio que entravam pelas pequenas frechas que se iam criando pelos embates com o Mundo.
houve alturas em que me vi pedra pomes, frágil, empoeirada, sem densidade suficiente sequer para boiar...
pinto um quadro de belas cores, onde o verde da esperança escorre, vejo o negro que dele sai e digo que é apenas a ausência de cor mas sei, dentro de mim, que é o que, por vezes, se apodera de mim, da minha força de ser rochedo.
verbalizo sons de força quando em mim ecoa a sombra do desespero.
faço voar pinceis reluzentes mas sei que, nestes momento, paira em mim apenas a realidade.

vejo-me encoberta por um nevoeiro denso e pergunto-me se sei o que fazer.
escondo de todos a resposta óbvia e mascaro o meu medo de não ser nada em gestos largos e comportamentos bizarros que emanam a ideia de que sou grandiosa.
escondo-me de todos. a todos quero fazer passar a ideia de que estou bem.
sempre. essa é a minha essência.
querer a todos fazer crer que é possível não se ser miseravel na minha condição.
a de quem não sabe o que faz, o que diz, não sabe onde vai, não sabe.... não sabe..... nada....
podia ser romântica, podia ser sonhadora.
pois que não sou nada disso.
sou um ser-humano condicionado ao eterno terror que é não saber o que fazer de si, que não escolheu um qualquer caminho e que, por isso, desbrava as dificeis terras onde ninguem quer ir.
Nem eu.
mas, tal como um animal cujo seu grupo abandonou, por ser fraco, diferente, vejo-me a tentar obter sobrevivência nas áridas zonas onde apenas o vento passa.
sinto-o, entre os meus dedos, e faço-me acreditar que não estou sozinha, que tenho em mim algo muito mais importante do que ter caminho.

mas... a realidade é o que existe e, a realidade, é que o caminho bem definido onde vejo outros andarem, rodeado das suas cercas coloridas, apenas tem um sentido, uma direcção e o meu... o meu define-o o vento e eu não consigo segui-lo e por isso, invento dentro de mim uma bússula (avariada) que me está a indicar o norte.
quando ele tambem não existe no meu percurso.
Ando aos círculos, passando sempre no mesmo lugar e vendo no chão os passos de quem passou antes por aqui (eu) mentindo a mim própria que já antes este caminho havia sido desbravado e que eu não estou sozinha.
mas estou.
nem aqueles que pensei darem-me a mão existem mais. são e foram invenções do meu cérebro cansado. alucinações de alguem que se julgou especial, um dia, um momento...
Vivemos e perdemos a nossa noção de sermos especiais porque, aos outros, aos olhos de todos os outros, sabemos que somos julgados pela nossa imagem a qual, dentro de nós, sabemos ser apenas uma mancha que escorreu do quadro que um dia quisemos pintar. diferente de todos os outros. diferentes até de nós mesmos.

25-fevereiro-2010
«O quadro está acabado quando apagou a ideia que o motivou»

o linóleo não é bom para laboratório

Vivo num turbilhão de emoções que condiciono num frasquinho.
Vou apertando o frasquinho para que ele se pareça cada vez mais pequenino e para que não se note a pressão que ele sente.
Por um lado, aperto... por outro lado peço 'oh por favor frasquinho, aguenta-te... não te deixes explodir'
O frasquinho parece-se com um decantador que, com a sua torneirinha, à medida que é agitado, abre e deixa sair um pouco da pressão.
'Ufinhas'... digo.
Mas a solução lá continua e os reagentes continuam a ser pipetados lá para dentro sempre com o meu racíocinio a dizer 'primeiro a água, depois o ácido, primeiro a água, depois o ácido' para ter a certeza de que não explode, o meu frasquinho, o que vou apertando como se, com esse aperto entre as minhas mãos, o conseguisse evitar explodir.

Lá se vão seguindo as interações, reacções e equilíbrios, até ao momento em que sinto ainda com mais força a pressão que dentro dele se cria e... lá se abre a torneirinha e deixa sair um bocadinho das moléculas gasosas que lá estavam condicionadas... tal e qual como um belo decantador.
Penso 'deveria arranjar um novo frasquinho' mas a minha modéstia vontade de querer tudo sem deixar fugir nada, sem me perder entre as contas e equações que vou fazendo no sentido do equilíbrio, não me deixam arranjar novo frasquinho até porque desconheço a calibração necessária a novo instrumento e, por isso, vou deixando tudo como está.
É tentador deixar cair o frasquinho e ver o liquido dentro dele sair pelos buracos criados pela queda...
É tentador imaginar que não mais acrescento nada ao meu frasquinho...
É assustador imaginar o frasquinho a cair mas... tão bela a imagem da solução a espalhar-se pelo chão, consumindo os pequenos quadrados de linóleo de que é feito o meu laboratório.
'O linóleo não é bom para laboratório' mas gosto tanto...

Pensam que eu enlouqueci de vez e pensam que afinal eu é que estou certa.
Pensam que é simples a solução equilibrada que vai dentro do meu decantador e olham, com inveja, o olhar atento que faço enquanto moo, trituro, disolvo e junto tudo dentro do meu belo frasquinho de vidro fosco na zona da torneira...
Uso um almofariz e com muito jeito, um funil. Depois no Erlenmeyer crio a solução que levo à mufla no cadinho... que belos cristais...!
E é aqui que me perco entre suportes, garras, condensadores e tubos em U e crio a minha substância.
Se a libertar, ela transformar-se-à, e eu não mais terei com o que brincar.

Vou continuando, 'oh por favor frasquinho, aguenta-te... não te deixes explodir' enquanto dentro dele teimo em condicionar o turbilhão de emoções que se criam no meu decantador enquanto o aperto, junto ao peito, certa de que com a força certa, ele não mais se quebrará.

21-janeiro-2010
«Creio que a verdade é perfeita para a matemática, a química, a filosofia, mas não para a vida. Na vida contam mais a ilusão, a imaginação, o desejo, a esperança.»