o linóleo não é bom para laboratório

Vivo num turbilhão de emoções que condiciono num frasquinho.
Vou apertando o frasquinho para que ele se pareça cada vez mais pequenino e para que não se note a pressão que ele sente.
Por um lado, aperto... por outro lado peço 'oh por favor frasquinho, aguenta-te... não te deixes explodir'
O frasquinho parece-se com um decantador que, com a sua torneirinha, à medida que é agitado, abre e deixa sair um pouco da pressão.
'Ufinhas'... digo.
Mas a solução lá continua e os reagentes continuam a ser pipetados lá para dentro sempre com o meu racíocinio a dizer 'primeiro a água, depois o ácido, primeiro a água, depois o ácido' para ter a certeza de que não explode, o meu frasquinho, o que vou apertando como se, com esse aperto entre as minhas mãos, o conseguisse evitar explodir.

Lá se vão seguindo as interações, reacções e equilíbrios, até ao momento em que sinto ainda com mais força a pressão que dentro dele se cria e... lá se abre a torneirinha e deixa sair um bocadinho das moléculas gasosas que lá estavam condicionadas... tal e qual como um belo decantador.
Penso 'deveria arranjar um novo frasquinho' mas a minha modéstia vontade de querer tudo sem deixar fugir nada, sem me perder entre as contas e equações que vou fazendo no sentido do equilíbrio, não me deixam arranjar novo frasquinho até porque desconheço a calibração necessária a novo instrumento e, por isso, vou deixando tudo como está.
É tentador deixar cair o frasquinho e ver o liquido dentro dele sair pelos buracos criados pela queda...
É tentador imaginar que não mais acrescento nada ao meu frasquinho...
É assustador imaginar o frasquinho a cair mas... tão bela a imagem da solução a espalhar-se pelo chão, consumindo os pequenos quadrados de linóleo de que é feito o meu laboratório.
'O linóleo não é bom para laboratório' mas gosto tanto...

Pensam que eu enlouqueci de vez e pensam que afinal eu é que estou certa.
Pensam que é simples a solução equilibrada que vai dentro do meu decantador e olham, com inveja, o olhar atento que faço enquanto moo, trituro, disolvo e junto tudo dentro do meu belo frasquinho de vidro fosco na zona da torneira...
Uso um almofariz e com muito jeito, um funil. Depois no Erlenmeyer crio a solução que levo à mufla no cadinho... que belos cristais...!
E é aqui que me perco entre suportes, garras, condensadores e tubos em U e crio a minha substância.
Se a libertar, ela transformar-se-à, e eu não mais terei com o que brincar.

Vou continuando, 'oh por favor frasquinho, aguenta-te... não te deixes explodir' enquanto dentro dele teimo em condicionar o turbilhão de emoções que se criam no meu decantador enquanto o aperto, junto ao peito, certa de que com a força certa, ele não mais se quebrará.

21-janeiro-2010
«Creio que a verdade é perfeita para a matemática, a química, a filosofia, mas não para a vida. Na vida contam mais a ilusão, a imaginação, o desejo, a esperança.»