o corpo preso, o cérebro fugido, o espírito sozinho...

Andei às voltas sem nunca sair do mesmo sítio...
Andei depressa para fazer de conta que não estava perdida e sempre com atenção redobrada a ver o caminho para ter a certeza que não me enganava quando já sabia de antemão que não era ali que devia estar e que nem sequer sabia onde estava...
A verdade é que faço de conta a toda a hora.
Fingo que sei o que sou, e dou-me certezas de tudo para ter a certeza que a certeza está sempre aqui.
Faço de mim uma personagem com um script bem escrito e decorado e garanto-me que está tudo bem e que não há erro possível.
O caminho é só um e as coisas acontecem como estava escrito que iriam acontecer.
Não me revolto, não rebelo...
Não tento mudar as coisas e aceito tudo como é...
Queria somente ter a certeza de que este é o caminho mas sei tambem que isso não acontece.
Não me revolto...
Não questiono, não tento alterar nada, aceito tudo como é e tento eu mudar as coisas quando as coisas são modificadas por elas mesmas.
Não me pergunto se está bem, não faço por ser diferente...
Ando e corro sempre no mesmo sentido mas sempre às voltas e sem nunca sair do mesmo sítio...
As coisas alteram-se e eu vejo-as sempre iguais a elas próprias não conseguindo ver se ainda são as mesmas.
Toldo-me, vergo-me, rebaixo-me e continuo sempre a andar no mesmo sentido...
Altero nada para que tudo se mantenha na mesma e a liberdade que tenho uso-a para não mexer na liberdade de ninguem.
Não me dou, não me convenço nem convenço ninguem, aceito tudo e deixo tudo como está.
Porquê? Porque será mais simples ou porque acho que não tenho jeito para alterar nada?
Ou porque apenas acho que os grandes feitos e lutas não estão escritos no meu caminho que segue sempre o mesmo sentido?
Acho curioso as coisas que me acontecem de forma recorrente, da exacta mesma forma, e não me pergunto se podia ter sido diferente.
Podes achar que sou apenas um ser em paz que aceita as vicissitudes mas eu acho-me uma inerte.
Morri e nem dei conta!
Não faço por ser diferente nem por diferenciar as coisas...
Estou letargicamente envolta em estagnação e nem sequer me dou ao trabalho de movimentar.
Não que saiba não ser possivel mas apenas porque tenho a sensação de que quando mais me mexo pior o sítio onde estou.
A minha vida, que neste momento comparo a uma poça de areias movediças... daquelas que nem sequer serão fundas para me afundar mas serão o suficiente para achar que estou perdida e que por isso mais vale estar quieta para não piorar.
E depois, o pior, é não descobrir se conseguiria daqui sair.
Prefiro nada fazer. O meu cérebro cansou-se de procurar respostas, de contrariar os acontecimentos.
Libertou-se dele próprio e fugiu porque acreditou que o corpo acabava, lentamente, a sucumbir nestas areias movediças que afinal não me passam do tornozelo...
Mas quando ele fugiu eu fiquei sozinha neste claustro que é o meu corpo e o meu espírito, sentido-se abandonado pelo cérebro e a morrer pelo físico acabou tambem ele por se deitar calma e serenamente à espera que nada aconteca e que as coisas acalmem sem que se faça nada...
Ando às voltas dentro de mim própria e não saio daqui nem sequer vejo onde estou.
Tomo consciência disso e mesmo assim, nada faço...
Sempre tentei fazer de conta que me mexo, mas agora que me vejo, presa até aos tornozelos pelas areias movediças do tempo que passou em que nada fiz, gostava de poder chamar novamente o meu cérebro e o meu espírito para junto do meu corpo e poder reunir as minhas completas faculdades e lutar.
Por qualquer coisa...
Reduzi-me a nenhum objectivo porque ansiar é perder mas acabei por perceber que não ansiando, não sonhando, não querendo, perdemos mesmo aquilo que nunca tivemos e teremos nada do que nunca quisemos.
É tão estranho ter a compreensão de que não vou a lado nenhum, nem mesmo dentro de mim apenas com o medo de me perder...
Quero tanto estar comigo e compreender o que sou que acabei por escolher nada fazer porque dessa forma tinha a certeza que acabaria por me encontrar.
Mas a verdade é que ando às voltas, dentro de mim mesma, sem nunca sair do mesmo sítio.
Eu só queria romper com estas areias que me atam os tornozelos e acreditar que se saltar me liberto.
Gostava de ser o que digo ser e transformar em castelos as verbalizações que invento sempre a dizer: está tudo óptimo!
Está...
Está tudo bem dentro de mim e fora tambem.
Está tudo bem em todo o lado.
Está sempre tudo bem...
Mas a verdade é que eu continuo a sonhar apenas dentro de mim porque lá fora estou presa até aos tornozelos numa areia que nem sequer é funda para me prender.
Prendo-me, restringo-me porque o que tenho é medo de, ao sair daqui, ao dar o salto, me perca para um qualquer sítio...
Mesmo que seja bom. Que seja diferente... agora isto, eu já conheço.
E é por isso que continuo separada do meu cérebro e do meu espírito e deixo o corpo preso.
Não preciso de os ter juntos. Seria complicado conseguir reajustar-me a qualquer nova novidade e por isso deixo-me ficar onde estou.
O corpo preso, o cérebro fugido, o espírito sozinho...

9 – Abril – 2008

Sem comentários: